sábado, 6 de novembro de 2010

CANTO DE AMOR (Casimiro de Abreu)



Eu vi-a e minha alma antes de vê-la

Sonhara-a linda como agora a vi;
Nos puros olhos e na face bela,
Dos meus sonhos a virgem conheci.




Era a mesma expressão, o mesmo rosto,
Os mesmos olhos só nadando em luz,
E uns doces longes, como dum desgosto,
Toldando a fronte que de amor seduz!




E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso
Como a palmeira que se ergue ao ar,
Como a tulipa ao pôr-do-sol- saudoso,
Mole vergando à viração do mar.




Dera a mesma visão que eu dantes via,
Quando a minha alma transbordava em fé;
E nesta eu creio como na outra eu cria,
Porque é a mesma visão, bem sei que é!




No silêncio da noite a virgem vinha
Soltas as tranças junto a mim dormir;
E era bela, meu Deus, assim sozinha
No seu sono d'infante inda a sorrir!...






Vi-a e não vi-a! Foi num só segundo
Tal como a brisa ao perpassar na flor,
Mas nesse instante resumi um mundo
De sonhos de ouro e de encanto amor.




O seu olhar não me cobriu d'afago,
E minha imagem nem sequer guardou,
Qual se reflete sobre a flor dum lago
A branca nuvem que no céu passou.




A sua vista espairecendo vaga,
Quase indolente, não me viu, ai, não!
Mas eu que sinto tão profunda a chaga
Ainda a vejo como a vi então.




Que rosto d'anjo, qual estátua antiga
No altar erguida, já caído o véu!
Que olhar de fogo, que a paixão instiga!
Que níveo colo prometendo um céu.




Vi-a e amei-a, que a minha alma ardente
Em longos sonhos sonhara assim;
O ideal sublime, que eu criei na mente,
Que em vão buscava e que encontrei por fim.






Pra ti, formosa, o meu sonhar de louco
E o Dom fatal, que desde o berço é meu;
Mas se os cantos da lira achares pouco,
Pede-me a vida, porque tudo é teu.




Se queres culto - como um crente adoro,
Se preito queres - eu te caio aos pés,
Se rires - rio, se chorares - choro,
E bebo o pranto que banhar-te a tez.




Dá-me em teus lábios um sorrir fagueiro,
E desses olhos um volver, um só;
E verás que meu estro, hoje rasteiro,
Cantando amores s'erguerá do pó!




Vem reclinar-te, como a flor pendida,
Sobre este peito cuja voz calei:
Pede-me um beijo... e tu terás, querida,
Toda a paixão que para ti guardei.




Do morto peito vem turbar a calma,
Virgem, terás o que ninguém te dá;
Em delírios d'amor dou-te a minha alma,
Na terra, a vida, a eternidade - lá!






Se tu, oh linda, em chama igual te abrasas,
Oh! Não me tardes, não tardes, - vem!
Da fantasia nas douradas asas
Nós viveremos noutro mundo - além!




De belos sonhos nosso amor povôo,
Vida bebendo nos olhares teus;
E como a garça que levanta o vôo,
Minha alma em hinos falará com Deus!




Juntas, unidas num estreito abraço,
As nossas almas uma só serão;
E a fronte enferma sobre o teu regaço
Criará poemas d'imortal paixão!




Oh! Vem, formosa, meu amor é santo,
É grande e belo como é grande o mar.
E doce e triste como d'harpa um canto
Na corda extrema que já vai quebrar!




Oh! Vem depressa, minha vida foge...
Sou como o lírio que já murcho cai!
Ampara o lírio que inda é tempo hoje!
Orvalha o lírio que morrendo vai!...